Pesquisadores encontraram, no sistema imunológico
humano, poderosa ferramenta que pode levar a um novo tipo de tratamento contra
o diabetes tipo 1. A imunoterapia proposta pelo grupo consiste na seleção das
células de defesa reguladoras do sangue dos próprios pacientes. Elas são
cultivadas e, então, injetadas novamente na pessoa acometida pela doença. Os
cientistas esperam que a estratégia possa regular a imunidade, protegendo as
estruturas que produzem a insulina e recuperando o equilíbrio da substância no
organismo. O método foi testado em voluntários e considerado seguro. Uma nova
fase de testes deve constatar se a terapia pode mesmo reduzir a necessidade da
injeção de insulina.
O diabetes tipo 1 atinge quase 380 milhões de
pessoas em todo o mundo e não pode ser prevenido. Diferentemente da variação
metabólica da doença, a forma autoimune tem causa genética. Uma disfunção no
sistema de defesa do organismo leva o corpo a encarar as células beta
pancreáticas como ameaça, levando à destruição das estruturas produtoras de
insulina e aumentando o nível de glicose no sangue. Para permitir a absorção do
hormônio, o paciente precisa injetar uma forma artificial da insulina e passar
o resto da vida fazendo o trabalho de monitoramento e reposição que o corpo
deveria executar naturalmente.
Há, no entanto, um componente no sistema imune que
pode impedir a ação destrutiva das células de defesa. As chamadas células T
reguladoras se encarregam de identificar e reprimir reações imunológicas
nocivas ao organismo, inclusive as provocadas pelas células T patogênicas, que
atacam as estruturas produtoras de insulina. Elas estão em desvantagem num
cenário autoimune, como é o caso do diabetes tipo 1. Os pesquisadores
decidiram, então, igualar esse jogo e colocar novas células T reguladoras em
ação a fim de frear a resposta imune destrutiva.
Primeiro, colheram as células de 14 voluntários
recentemente diagnosticados com diabetes tipo 1. “Isolamos as células deles,
colocamos numa cultura com fatores que as fazem crescer fora do corpo em uma
incubadora por duas semanas e, depois, injetamos de volta em cada paciente”,
descreve Jeffrey Bluestone, pesquisador do Centro de Diabetes da Universidade
da Califórnia e principal autor do artigo.
Testes com o material cultivado demonstraram que as
células aprimoradas têm uma atividade supressora mais forte do que as
estruturas originais, talvez com poder suficiente para impedir a ação das células
imunes rebeldes. “Esperamos que as células parem o processo autoimune e
previnam a destruição das células beta produtoras de insulina que causa o
diabetes”, afirma Bluestone. “Se começarmos com o paciente cedo o suficiente,
talvez possamos retirá-lo do tratamento com a insulina. De outra forma,
teríamos de combinar a terapia com uma droga que aumente a função das células
beta ou substitua as células beta que foram destruídas pela doença”, acredita o
pesquisador.
A ressalva do pesquisador norte-americano está
relacionada com a destruição causada pelo diabetes. Se tiver a eficácia
comprovada, a imunoterapia teria de ser aplicada de forma precoce, antes que o
indivíduo perca definitivamente a capacidade de produzir insulina naturalmente.
“A gente tem 100% de ilhotas pancreáticas ao nascer, mas, nos pacientes, elas
vão sendo destruídas quando as células efetoras atacam as células beta. Se for
muitos anos depois do diagnóstico, não adianta corrigir o sistema imunológico
porque ele não vai mais ter ilhotas que vão produzir a insulina”, alerta
Tatiana Takiishi, pesquisadora associada à Sociedade Brasileira de Imunologia
no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP).
Mais análises Antes de ser introduzidas nos
pacientes, as células aprimoradas receberam um marcador que permitiu aos
cientistas monitorar a atividade em seus organismos. Passado um ano do
experimento, as estruturas assinaladas ainda podiam ser identificadas. No
entanto, os pesquisadores ainda não sabem afirmar se a imunoterapia pode
representar uma solução definitiva para o diabetes tipo 1. Nesta primeira
bateria de testes, o objetivo era comprovar somente a segurança do tratamento.
O grupo conduz agora a segunda fase de testes controlados da terapia, cujos
resultados devem sair em dois anos.
Especialistas ressaltam que o equilíbrio alcançado
pela imunoterapia não deve ser capaz de vencer definitivamente a condição
crônica. “Estamos chegando à conclusão de que isso é um controle, como uma
medicação. Você não vai fazer o procedimento uma vez e vai curar. É possível
que eles cheguem à conclusão de que, depois de um tempo, tenha de fazer mais
infusões para manter a doença sob controle”, ressalta Kelen Malmegrim de
Farias, pesquisadora do Centro de Terapia Celular da Universidade de São Paulo
de Ribeirão Preto.
Farias trabalha no grupo brasileiro que estuda, há
mais de uma década, o diabetes tipo 1 que combina a quimioterapia com o
transplante autólogo de células-tronco. A terapia foi capaz de manter alguns
pacientes longe das injeções de insulina por até 13 anos, mas a grande maioria
deles retornou ao tratamento tradicional em dois anos e meio. “Todos os
trabalhos tratam a doença a partir do momento em que o processo se iniciou”,
ressalta Carlos Eduardo Couri, endocrinologista do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e um dos participantes do grupo
que estuda o método com células-tronco. “O problema é que a gente não sabe o
que causou a autoimunidade. Quando descobrirmos, vai ficar mais fácil”, alerta
o especialista.
Ações combinadas
A terapia experimental desenvolvida na USP de
Ribeirão Preto procura corrigir a condição autoimune em um trabalho de duas
fases. Na primeira, o paciente é submetido à quimioterapia, que reduz a ação do
sistema imunológico e barra o ataque às células beta produtoras de insulina. Na
segunda, recebe um transplante de células-tronco retiradas da própria medula
óssea, que ajudam a restaurar a população de células T reguladoras no organismo
e amenizam a ação autoimune que afeta o pâncreas, permitindo, assim, o retorno
da produção de insulina.
Informações Correio Braziliense