Um simples teste de sangue desenvolvido por pesquisadores
dos Estados Unidos foi capaz de detectar rapidamente e com alto índice de
precisão mutações em dois genes que desempenham papel essencial no câncer de
pulmão de células não pequenas. Trata-se do tipo mais comum dessa doença, que,
no Brasil, deve afetar 28.220 novos pacientes neste ano, de acordo com o
Instituto Nacional de Câncer (Inca). Estima-se que 30% dos doentes tenham
mutações em algum dos genes incluídos no estudo e possam ser tratados com terapias-alvo.
A pesquisa foi publicada na revista Jama Oncology.
Chamada de biópsia líquida, a técnica foi tão bem-sucedida
que o Instituto Dana-Barber/Brigham e o Centro de Câncer da Mulher, envolvidos
na pesquisa, decidiram oferecê-la a todos os pacientes desse tumor, tanto para
o diagnóstico inicial quanto para rastrear relapso de pacientes já tratados.
Até agora, o método é utilizado apenas em testes, mas, cada vez mais, apresenta
resultados promissores, com a vantagem de ser menos invasivo que a biópsia
tradicional.
A genotipagem rápida de plasma — nome técnico da biópsia
líquida — envolve a retirada de um tubo de sangue, que contém DNA circulante
deslocado das células cancerígenas. A amostra passa por análise de DNA em busca
de mutações ou de outras anomalias. De acordo com os pesquisadores que estudam
o método, quando células tumorais morrem, o DNA delas se espalha pela corrente
sanguínea. Em diversos estudos que vêm sendo realizados mundo afora, já foi
possível identificar diversos tumores oncológicos, incluindo próstata e mama.
“Nós vemos a genotipagem do plasma como tendo um potencial
enorme de teste clínico. É uma forma rápida e não invasiva de rastrear o
câncer, evitando os desafios da biópsia invasiva tradicional”, diz Geoffrey
Oxnard, oncologista torácico e pesquisador de câncer de pulmão do Instituto
Dana-Faber e do Hospital da Mulher Brigham (DF/BWCC). Oxnard é o principal
autor do estudo publicado na Jama Oncology. “Nosso trabalho foi o primeiro a
demostrar prospectivamente que a técnica da biópsia líquida pode ser uma
ferramenta prática para tomarmos decisões no tratamento dos pacientes
oncológicos. O teste foi um sucesso tão grande que estamos transformando o
ensaio em um teste clínico para os pacientes da DF/BWCC”, complementa.
Resultados comparados
O estudo envolveu 180 pessoas com câncer de pulmão de
células não pequenas, sendo que 120 haviam acabado de receber o diagnóstico da
doença e 60 se tornaram resistentes ao tratamento anterior, fazendo com que o
tumor recorresse. Todos foram testados para mutações nos genes EGFR e KRAS e
para uma mutação separada no EGFR que permite às células tumorais se tornarem
resistentes às drogas de primeira linha. O teste foi realizado com uma técnica
conhecida como reação digital de cadeia polimerase em quantidade ínfima (ddPCR,
pela sigla em inglês), que conta as letras individuais do código genético do
DNA da célula doente para determinar se mutações específicas estão presentes.
Cada participante também foi submetido à biópsia tradicional
para testar as mesmas alterações. Os resultados foram, então, comparados. Os
dados mostraram que o exame de sangue traz resultados muito mais rapidamente,
algo essencial no tratamento de câncer. Em média, foram necessários três dias
para as conclusões, sendo que, no caso da análise convencional, o tempo variou
de 12 dias (caso dos pacientes que acabaram de ser diagnosticados) e 27 dias
(naqueles com câncer recorrente).
Além disso, o novo método mostrou-se muito mais preciso. Nas
pessoas que receberam o diagnóstico recentemente, o valor preditivo do plasma
ddPCR foi de 100% para a mutação EGFR primária e a mutação KRAS — em outras
palavras, pacientes que testaram positivo para uma ou outra mutação tiveram
certeza total da presença dessas alterações no tumor. Para aqueles com variação
no gene EGRF resistente, o valor preditivo foi de 79%, sugerindo que o teste de
sangue conseguiu encontrar casos adicionais da mutação que não haviam sido
identificados pela biópsia tradicional.
“Em alguns pacientes com a mutação de resistência EGFR, o
ddPCR detectou mutações que passaram em branco pela biópsia comum”, observa
Oxnard. “Um tumor resistente é inerentemente formado por múltiplos subconjuntos
de células, algumas das quais carregam padrões diferentes de mutações
genéticas. A biópsia tradicional analisa apenas uma parte simples do tumor e
pode perder uma mutação presente em qualquer outra parte do corpo. A líquida,
em contraste, pode refletir melhor a distribuição das mutações no tumor como um
todo”, esclarece.
Quando a ddPCR falhou na detecção das mutações, isso indicou
que as células do tumor não carregavam essa mutação ou que o câncer não estava
liberando DNA na corrente sanguínea. Essa discrepância entre o resultado dos
testes e a presença de mutações foi menos comuns em pacientes cujo tumor causou
metástases em diversas partes do corpo, disseram os pesquisadores. De acordo
com eles, uma das vantagens da biópsia líquida é que ela ajudará os médicos a
determinar rapidamente se o paciente está respondendo à terapia.
Novas mutações
Cinquenta participantes do estudo fizeram testagens
repetidas depois do início do tratamento. “Aqueles cujos testes de sangue mostraram
o desaparecimento das mutações dentro de duas semanas eram mais propensos a
continuar o tratamento, comparado aos que não tiveram redução”, explicou Adrian
Sacher, que liderou os estudos. E, como os tumores evoluem constantemente e
adquirem mutações adicionais, repetir o teste pode ajudar a detectar
precocemente novas mutações (como a EGFR, que confere resistência às drogas de
primeira linha), que podem ser tratadas com outros agentes.
“Os dados do estudo são muito atraentes”, avalia a
patologista do DF/BWCC Lynette Sholl, explicando a decisão do centro de começar
a oferecer a biópsia líquida para todos os pacientes de câncer de pulmão de
células não pequenas. “Nós validamos as descobertas dos autores comparando os
resultados da biópsia líquida com amostras do tecido do pulmão de 34 pacientes.
Para trabalhar como um teste clínico no mundo real, a biópsia líquida precisa
fornecer dados confiáveis e acurados, além de ser prática do ponto de vista
logístico. Foi o que vimos com o teste ddPCR”, garante. “A biópsia líquida tem
grande utilidade tanto para pacientes recém-diagnosticados quanto para aqueles
com doença recorrente. É rápida, quantitativa (indica a quantidade de DNA
mutante na amostra) e pode ser empregada rapidamente em um centro de tratamento
de câncer”, detalha.
Informações Correio
Braziliense